segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Nova ministra chega com bagagem acumulada em anos de luta pelos direitos das brasileiras


Por Zé Carlos Borges

Na década de 70, no auge do regime militar, uma jovem de 22 anos foi presa em São Paulo, juntamente com sua filha, de apenas 1 ano e 10 meses. Acusada de “agitadora, guerrilheira e inimiga do país”, foi levada para a sede do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), órgão de inteligência e repressão durante o golpe militar. Cumpriu três anos de detenção na Torre das Donzelas, como era chamado o conjunto de celas femininas no alto do Presídio Tiradentes, em São Paulo.

Hoje, o que restou do presídio, demolido para a construção do metrô paulistano, é apenas um portão, tombado pelo Patrimônio histórico. Mas as “donzelas”, como eram chamadas as presas políticas que passaram por lá, continuam na ativa. E como. Uma delas ocupa o mais alto posto do país, a Presidência da República. Já a garota presa com sua filha ainda bebê é a socióloga Eleonora Menicucci de Oliveira, de 66 anos, a nova ministra da Secretaria de Política para as Mulheres.

Dilma Rousseff e a ministra Eleonora já se conheciam antes da prisão, pois atuaram juntas, em Belo Horizonte, no movimento estudantil. No entanto, a amizade com a presidente , forjada na luta pela democracia e durante os chamados anos de chumbo, não foi, segundo a ministra, o motivo de sua indicação. “Não se faz governo com amigos. Estou aqui em nome de tudo que fiz”, fez questão de destacar Eleonora Menicucci em sua primeira entrevista, concedida semana passada, depois do anúncio oficial de seu nome.

E foi justamente a trajetória da ministra que arrancou aplausos das feministas e críticas ferrenhas dos conservadores, incluindo representantes da bancada religiosa da Câmara dos Deputados. Tudo porque Eleonora já atuou e declarou publicamente sua posição a favor dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, entre eles o do aborto, assunto tabu no Congresso Nacional.

No dia de sua posse, o deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) convocou os evangélicos a lutarem contra a ministra “abortista”. Antes mesmo dessa convocação, já pipocava na internet, em blogs, sites e nas redes sociais, críticas à defesa da ministra do direito ao aborto e também por causa de sua posições avançadas e públicas em prol das relações entre pessoas do mesmo sexo. Sobre o aborto, Eleonora foi taxativa. Para ela, o assunto é um problema de saúde pública, e não de ideologia, que deve ser discutido pelo Legislativo.

No entanto, apesar do tom conciliador, a nomeação de Eleonora foi vista pelo movimento feminista como um sinal de que a presidente não pretende se distanciar da luta pelos direitos da mulher. “Ter na Esplanada dos Ministérios uma feminista histórica com a trajetória de Eleonora, coerente e firme com os princípios que sempre a orientaram, é muito importante para o nosso movimento”, comemorou a socióloga Guacira César de Oliveira, coordenadora regional do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), que conhece a ministra desde a década de 80.

Assim que deixou a prisão, em 1973, a ministra se mudou para João Pessoa, recomeçando sua vida profissional na Universidade Federal da Paraíba e também sua militância no movimento feminista.

Logo se filiou ao recém-criado Partido dos Trabalhadores, no qual participou da executiva da 1ª Secretaria Nacional de Mulheres, criada em 1983. Também foi integrante da Comissão Nacional de Mulheres da Central Única dos Trabalhadores (CUT).

Eleonora foi umas das autoras do primeiro Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), reivindincação antiga do movimento feminista, lançado oficialmente em 1984 e considerado um marco histórico nas políticas públicas voltadas para a mulher. Até então, todo programa de saúde da mulher tratava apenas de questões envolvendo a maternidade. Participou também do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher e da fundação da Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos e Sexuais.
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Assim como sua antecessora, a deputada federal Iriny Lopes (PT-ES), Eleonora nasceu em Lavras, no Sul de Minas, em uma família importante e de posses. O ativismo sempre foi uma marca da ministra, segundo lembra uma colega do Instituto Presbiteriano Gammon, onde estudava boa parte da elite do Sul de Minas. Ela é sobrinha do ex-prefeito Sílvio Menicucci, deputado estadual cassado em 1969 por causa de suas críticas ao regime militar e também por sua ligação com o ex-presidente Juscelino Kubitschek.

“Dizem que para financiar a luta contra a revolução (golpe de 1964) ela vendeu todas as joias da mãe”, conta uma ex-aluna da instituto. Sua prima Jussara Menicucci, filha de Sílvio Menicucci, conta que Eleonora sempre foi “uma pessoa política”. “Nunca disputou nada, mas sempre militou na política, na defesa dos direitos humanos, das mulheres, na luta contra a pobreza e contra todo tipo de opressão”, relata Jussara, que exerce seu terceiro mandato à frente da Prefeitura de Lavras, e é filiada ao PSDB.

Quando foi presa, estava casada com Ricardo Prata Soares, detido um dia antes dela, durante o enterro da mãe, em Uberaba, no Triângulo Mineiro, também por conta de sua participação na luta armada. Além de Maria Oliveira, presa ainda bebê com Eleonora, teve outro filho, Gustavo Oliveira, batizado com esse nome em homenagem a um companheiro de militância contra o regime: o ex-deputado federal Nilmário Miranda, na época conhecido pelo codinome de Gustavo. Os dois se conheceram em 1966, quando a ministra estudava na Fafich e era militante do PCB. “Chegamos a morar na mesma casa no Bairro Carlos Prates (em Belo Horizonte)”, conta Nilmário. Segundo ele, sua filha Maria, hoje com 42 anos, é uma das diretoras do documentário 15 Filhos, que retrata a vida dos filhos dos presos políticos nos porões da ditadura no Brasil e no Chile.

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