segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

ARTIGO : OS MAUS GESTORES PÚBLICOS E OS RESTOS A PAGAR

Estamos no fim do ano e o momento é de festas e confraternizações, mas também é momento de reflexão sobre o que passou no ano que se finda e as perspectivas do que virá no ano que está chegando, levando as pessoas, as empresas e as instituições ao corre-corre frenético para encerrar o ano com as contas no seu devido lugar, porque repetem o mau hábito de deixar tudo para a última hora.

Esse mau hábito aparece com força no âmbito da administração pública, como lembra o juiz e professor de Direito Financeiro da USP, Maurício Conti, em comentário publicado na Revista Eletrônica Consultor Jurídico, em recente edição (17.12.2013), sob o título “O Final de ano, as dívidas e os restos a pagar”.

Com esse mau hábito, muitos pagamentos que deveriam ser feitos ao longo do ano que se finda são deixados para o ano seguinte, criando-se, no âmbito da gestão pública, o que tecnicamente conhecemos por “restos a pagar”, que é um comprometimento da gestão em pagar despesas empenhadas durante o ano que se finda somente no ano seguinte.

É claro que essa prática termina onerando o orçamento do ano que vai começar, o que revela a desordem administrativa-financeira da administração pública, que foi incapaz de gerir o orçamento elaborado e planejado de acordo com as previsões contidas no PPA-Plano Plurianual e na LDO-Lei de Diretrizes Orçamentárias.

É comum ouvirmos gestores desorganizados e desplanejados justificarem o não pagamento de contas previstas no orçamento que foi (em tese, no papel) planejado, por causa da tradicional “queda de receita”, que na verdade não ocorre, porque, todo ano o orçamento é maior do que o do ano anterior, o que se confirma pelos registros de arrecadações anuais.

O que acontece não é a decantada “diminuição de receitas”, como apregoam os maus gestores, e sim, a flagrante desobediência deles aos princípios constitucionais regedores da administração pública, quais sejam: LEGALIDADE, MORALIDADE, IMPESSOALIDADE, EFICIÊNCIA, TRANSPARÊNCIA, entre outros.

Desobedencendo a Lei de Finanças Públicas (Lei 4.320/64) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar à Constituição nº 101/2000) e outras normas de controle da gestão pública, esses maus gestores terminam descumprindo esses princípios constitucionais regedores da administração pública, descumprindo o que foi estabelecido no orçamento anual e recorrendo a esse instrumento contábil-financeiro denominado “restos a pagar”.

Evidentemente, se esse instrumento é legal (autorizado por lei), compreende-se o seu uso moderado, porque vem em socorro da administração pública que sofreu as conseqüências de algum fato inesperado, imprevisível e que não foi possível honrá-lo no ano que se finda, não podendo, pois, tornar o seu uso abusivo, como se registra na grande maioria das gestões públicas.

Esquecem os maus gestores que a sua desordem financeira, a sua deliberada vontade de descumprir planejamentos resulta de desrespeitos aos princípios constitucionais regedores da gestão pública, levando esses maus gestores a contratar pessoal em demasia, notadamente pessoas de seu interesse pessoal ou do interesse pessoal de seus correligionários, cabos eleitorais e vereadores que lhes dão sustentação política (o pessoal do “amém”), sem concurso público e sem necessidade, causando verdadeiro inchaço nos quadros de pessoal, com repercussão nas despesas desse gênero, ultrapassando os limites prudenciais fixados em lei.

Para evitar o descontrole das contas públicas os legisladores têm procurado impor algumas limitações para evitar que dívidas contraídas em um ano sejam empenhadas em “restos a pagar”, porque isso compromete o orçamento do ano seguinte, que já começa a sua execução com esse comprometimento, situação que exige o aperfeiçoamento da legislação relativa às finanças públicas.

Nesse sentido há em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que tem o objetivo de substituir a atual Lei de Finanças Públicas, a Lei nº 4.320/64, melhorando a regulamentação para os “restos a pagar”, evitando-se os indesejáveis efeitos de uma anualidade orçamentária rígida, causadora das já citadas ineficiências na gestão financeira das instituições públicas,

O certo é que, como observa o Juiz Maurício Conti, no comentário referido, “a administração pública e o sistema orçamentário precisam se adaptar aos novos tempos, e muito há que se fazer”.

De qualquer forma, a cultura arraigada que prevalece muito viva e forte entre os nossos gestores públicos, na sua maioria, maus gestores, é a de que podem descumprir princípios e normas regedoras da gestão pública, porque impera a impunidade e dificilmente alguém é punido com rigor por isso.

Deveria existir um dispositivo que garantisse a possibilidade de “prisão preventiva” para os maus gestores que descumprissem as leis regedoras da administração pública, e, consequentemente, a perda dos seus direitos políticos por muitos anos, inclusive, com perda imediata do mandato que exercem, para que esses maus gestores fossem eliminados da vida pública.

Deixar “restos a pagar” inscritos para cumprimento com recursos do orçamento do ano seguinte, segundo a legislação existente, somente é possível se o gestor deixar recursos do orçamento do ano que se finda garantindo essas dívidas. Mas, infelizmente, os maus gestores continuam inscrevendo valores vultosos em “restos a pagar”, sem recursos suficiente que lhes garantam o cumprimento da obrigação e isso, no máximo, lhe dá uma rejeição de contas, quando deveria lhe dar uma pena de prisão. Aí, sim, o dinheiro público seria tratado com seriedade.

*Maraísa Santana é advogada, especializada em Direito Público Municipal com Habilitação para o Ensino Superior de Direito, integrante do Escritório SANTANA ADVOCACIA, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba)

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