Jorge Amado durante o lançamento do seu livro "Tocaia Grande", em Lisboa, a 27 de junho de 1985.
Comunista militante, Jorge Amado (1912-2001), que completaria cem anos nesta sexta (10), ria ao dizer que compraria a casa em Salvador com o "dinheiro do imperialismo americano", fruto da venda dos direitos de seu romance "Gabriela, Cravo e Canela" ao estúdio hollywoodiano MGM.
Agora, pouco mais de 50 anos após a compra do imóvel, familiares do autor baiano buscam meios de transformá-lo em um memorial.
Após sua morte, a casa chegou a enfrentar um processo avançado de deterioração (que a família do escritor diz ter sanado recentemente).
Orçado em R$ 2,1 milhões, o projeto de memorial feito por um arquiteto português, ao qual a Folha teve acesso, será apresentado hoje por familiares de Amado em um evento na casa número 33 da rua Alagoinhas, no bairro Rio Vermelho, em Salvador.
"A primeira função da casa é dar às pessoas que estimam Jorge Amado uma visão diferente da que têm apenas pela leitura de seus livros. O memorial permite ter uma ideia da dimensão do homem além do escritor", diz João Jorge Amado, 65, filho de Jorge e Zélia Gattai (1916-2008).
Em busca dos recursos necessários para o projeto, a família procura investidores interessados numa PPP (Parceria Público-Privada) e espera apoio do poder público.
Em seguida, o objetivo é que o memorial se torne sustentável com a instalação de uma loja com produtos relacionados ao escritor.
O projeto segue o modelo adotado em outras partes do mundo, como no Chile, onde existem três de casas do poeta Pablo Neruda (1904-73), ou no México, que abriga quatro memoriais dedicados ao pintor Diego Rivera (1886-1957).
TOMBAMENTO
Entre as adaptações necessárias para a Casa do Rio Vermelho (como ficou conhecido o imóvel) tornar-se memorial estão vias de acesso a pessoas com dificuldade de locomoção, banheiros e sistema de segurança.
São essas e outras mudanças estruturais que estão no centro da discussão sobre o processo de tombamento da casa, iniciado em 2005.
Além de incentivos fiscais, um imóvel tombado pode ter recursos captados com os setores público e privado.
Zélia tinha o sonho de transformar em memorial a casa onde receberam hóspedes e visitantes como o artista plástico Di Cavalcanti (1897-1976), o diretor Roman Polanski, o escritor português José Saramago (1922-2010) e os poetas Vinicius de Moraes (1913-80) e Pablo Neruda.
O pedido de tombamento foi negado em 2006 pelo Conselho Estadual de Cultura da Bahia.
Para o órgão, as adaptações estruturais previstas no projeto do memorial e a falta de preservação de "características constantes que o hajam singularizado" inviabilizam o tombamento.
Em 2008, os herdeiros do casal desistiram do processo.
"Se a casa estivesse tombada, não estaria no estado que está hoje [conservado com recursos próprios, segundo a família]", diz João.
"Para cada intervenção [no bem tombado], tem de se buscar órgãos para autorização. Depois, mandam um grupo de arquitetos que fazem estudos para liberação das obras. Você fica completamente manietado", explica ele.
CASA DO RIO VERMELHO
Disposto a deixar o Rio de Janeiro por causa dos problemas ligados a grandes cidades (como a violência), o casal Jorge Amado e Zélia Gattai passou a procurar imóveis em Salvador.
Em outubro de 1961, compraram a casa que pertencia a um pianista suíço, que a vendeu "com muita pena", segundo relato de Zélia no livro "A Casa do Rio Vermelho", escrito em 1998.
"Essa não era, de jeito nenhum, a casa de nossos sonhos. Grande e desconfortável, ela necessitava de reformas, de muitas reformas para que ficasse a nosso gosto."
O projeto feito pelo jovem arquiteto Gilberbet Chaves recebeu contribuições de amigos do casal como Carybé (1911-1997), Mario Cravo Júnior e Lina Bo Bardi (1914-92).
Além das visitas ilustres, de azulejos pintados pelo espanhol Pablo Picasso (1881-1973) e de obras de diversos artistas espalhadas pela casa, o local é lembrado também por ter sido usado pelo casal como espaço para produzir suas obras literárias.
"Jorge escreveu 'Dona Flor e Seus Dois Maridos' no terraço aberto. O gato Nacib, um siamês que o acompanhava por toda a parte, era seu peso de papel. Nacib dormia sobre as folhas dos originais, poderia ventar à vontade que elas não voavam", conta Zélia, em seu livro de memórias.
Ela relata que, certa vez, encontrou o marido parado diante da máquina de escrever e decidiu questioná-lo sobre algum possível defeito.
"Nenhum problema. Preciso consultar uma página e estou com pena de acordar Nacib, que dorme tão bem", respondeu.
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