A alternativa escolhida pelo governo de estimular o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) por meio do consumo pode trazer consequências preocupantes, alertam especialistas.
Para a socióloga Cláudia Sciré, autora do livro Consumo Popular, Fluxos Globais, o que está ocorrendo é uma “financeirização da pobreza” e não a efetiva ascensão de uma nova classe média ou nova classe C, como apontam série de estudos lançados nos últimos anos pelos economistas Marcelo Néri (Fundação Getulio Vargas) e Ricardo Paes e Barros (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República).
“É preciso prestar mais atenção nesse processo de financeirização da pobreza”, recomenda Cláudia, destacando que é necessário “olhar para mais itens”. “Eles deixaram de ser pobres? O acesso a bens culturais e à educação [de qualidade] continua muito difícil. O consumo sozinho não pode ser parâmetro”, critica, questionando a sustentabilidade da ascensão e o endividamento das camadas da população que tiveram aumento de renda e consumo na última década. “A gente não sabe o que vai acontecer de fato.”
A incerteza sobre a capacidade de endividamento e da eficácia do estímulo ao consumo também preocupa o economista Fábio Giambiagi, um dos autores do livro Além da Euforia - Riscos no Plano Econômico. “Apesar de os juros estarem caindo, esse endividamento nos outros países se dá com juros muito inferiores aos brasileiros. De tal forma que o mesmo endividamento tende a gerar, aqui no Brasil, um comprometimento da renda com o pagamento maior que nos outros países.”
Giambiagi pondera sobre a decisão do Ministério da Fazenda de estimular o consumo (por meio de isenção de impostos, como no caso do carro popular) para melhorar o Produto Interno Bruto (PIB) do país. “Esse pacote recente do governo aponta no sentido de estimular o consumo no sentido de melhorar o PIB este ano. A gente entende pela lógica do curto prazo. Mas, para o médio e longo prazo, o conselho seria aumentar os canais de investimento público e privado”.
A mesma receita foi utilizada de forma eficaz pelo governo, em 2009, para minimizar o impacto da crise financeira internacional que tevê o ápice em setembro de 2008. Além do resultado macroeconômico, o aumento do consumo entre as camadas mais populares “reconfigurou as hierarquias dentro da família”, disse Cláudia Sciré se referindo à diminuição e até inversão da submissão nas relações entre marido e mulher e também entre pais e filhos. “Esses [os filhos] começam a trabalhar e passam a ter maior autonomia perante as decisões de consumo. A mesma coisa ocorre entre mulher e marido, quando ocorre de ele estar com o nome sujo”, exemplificou.
Apesar dos efeitos econômicos e sociais positivos, a socióloga lembra que o acesso ao crédito pode ter consequências indesejadas na vida dos emergentes. “De uma hora para a outra as pessoas passam a lidar com uma série de mecanismos financeirizados que são muito complicados até para quem já está acostumado”, avalia.
“As pessoas às vezes se confundem, até porque o crédito oferecido é duas ou três vezes maior do que a renda. As pessoas acabam se endividando e a vida delas passa a ser gerida e pautada por esses prazos do mercado por essas dívidas que elas vão assumindo. Isso tem consequências graves como não conseguir visualizar um horizonte de possibilidades para além do mês seguinte”, alerta a socióloga.
Na opinião de Fábio Giambiagi, a “combinação zodiacal” que favorecia a manutenção do crescimento por meio mercado interno – que agora tende a crescer menos – mudou. O economista associa as dificuldades de perda do ritmo com a composição do endividamento das famílias brasileiras. “A grande diferença de endividamento do Brasil e dos outros países está associado ao componente habitação. A minha impressão é que seria desaconselhável estimular novos processos de endividamento que fossem além do ponto que a gente está”.
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