domingo, 29 de setembro de 2013

Ricos perdem exclusividade e reclamam da classe emergente

Na última semana, o lançamento do iPhone 5C levantou uma polêmica entre usuários nas redes sociais. Com a Apple dedicando esforços à popularização de seus produtos, houve quem reclamasse que os smartphones da marca, antes restritos a uma minoria privilegiada, virariam “coisa de pobre”.

O aparelho não tem nada de "pobre" – as versões desbloqueadas do aparelho custarão no mínimo US$ 549 (cerca de R$ 1,3 mil), um preço suficientemente impeditivo frente aos principais concorrentes. No entanto, o movimento nas redes fez lembrar o lançamento do Instagram para Android, quando um coro de usuários dizia temer pelas fotos que “infestariam” a rede. A questão não é a qualidade do produto ou do serviço, mas o status que o uso dessas ferramentas agrega. O fato é que as classes mais altas andam muito incomodadas com o enriquecimento dos chamados emergentes, principalmente porque sentem o peso da perda da “exclusividade”.

Essa é uma das percepções de Renato Meirelles, presidente do Data Popular, consultoria de pesquisas especializada nas classes emergentes. “Não tenho dúvidas que é a perda da exclusividade que está incomodando esses consumidores”, afirma. Entre 2010 e 2011, segundo dados da pesquisa O Observador , a renda média disponível para as classes C e D aumentou 50%. A renda dos mais pobres cresceu três vezes mais que a renda dos mais ricos nos últimos dez anos. Naturalmente, a maior parte do que era acessível apenas a alguns privilegiados já está ao alcance dos emergentes. “Hoje é comum, por exemplo, empregada e patroa usarem o mesmo perfume. O exclusivo está cada vez mais democrático”, explica.

Para completar, esse crescimento desproporcional da renda coloca os mais ricos em situação ainda mais desfavorável: diante da inflação de serviços, o dinheiro da classes A e B já não comporta grandes gastos. “Agora para o mais rico adquirir o produto ou serviço ‘exclusivo’, vai precisar desembolsar um dinheiro que não tem”, diz Meirelles. “Os mais ricos têm a sensação de que saíram perdendo.”

Na última semana, no C4 (Congresso de Cartões e Crédito ao Consumidor), a consultoria de pesquisas Data Popular exibiu um vídeo em que apresentava entrevistas de cidadãos comuns – de classes A e B – falando sobre o “incômodo” que a popularização dos serviços provocava no seu dia a dia. ”Incomoda ver como as pessoas entram nos aviões carregando coisas absurdas”, diz uma senhora. “Empresas como a CVC acabaram como a nossa boa vida. Viajar de avião não é mais classe A”, afirmou outro rapaz.Erro de avaliação

Esse grupo, no entanto, muitas vezes ignora que boa parte desses emergentes de fato já são mais ricos que eles. Meirelles destaca que 44% das pessoas que compõe as classes A e B são os primeiros ricos da família. “São pessoas com histórico de classe C, com jeito de pensar de classe C, mas que têm renda muitas vezes até maior que o 'rico' que reclama”, diz.“Um dono de padaria ou mercadinho de bairro, por exemplo, fatura R$ 100 mil por mês. O engenheiro ou advogado quase nunca tira tudo isso.”

É no histórico que mora a principal diferença. Enquanto no passado o novo rico costumava esconder sua origem, hoje ele se orgulha de sua trajetória e já não tem mais as classes A e B como referência inconteste. “Quem acha que a aspiração da classe C é ser classe A está enganado”, afirma Meirelles ressaltando que a lógica social das duas classes são inversas. “Enquanto a classe C trabalha na lógica da inclusão, a elite trabalha na lógica exclusividade. Os mais ricos esperavam que esse novo público os tivesse como exemplo de comportamento, mas isso não aconteceu.”

Do aspiracional para o inspiracional
Há um processo de acomodação em curso. Segundo os prognósticos do Data Popular, na próxima década, as classe A e B vão crescer duas vezes mais que a classe C. Com isso, empresas de todo o País estão em busca de novos modelos de operação, de forma a atender eficientemente os novos clientes.

Nesse novo contexto, as aspirações perdem espaço para as inspirações.
“O indivíduo deixa de usar o consumo para mostrar algo que não é, preferindo ferramentas que o façam uma pessoa melhor”, afirma. Mesmo que já estejam significativamente mais próximas dessa nova realidade, as empresas ainda não entenderam completamente quem é esse novo rico – e seus principais comportamentos de consumo.

Para Meirelles, o perfil do novo rico brasileiro está mais alinhado com o que se vê nos Estados Unidos – onde a pauta central é do consumo e da cultura do espetáculo. Esse formato é oposto ao modelo europeu, por exemplo, que valoriza o capital cultural, social e acadêmico.

Por aqui, Meirelles aposta na terceira via.
“Temos esse traço na nossa cultura, de aproveitar todas as experiências e mostrar um caminho com a nossa cara”, diz. “Vejo dois componentes a mais no nosso contexto: a flexibilidade do brasileiro e a vontade de reduzir os pontos de conflito.”

Bárbara Ladeia - iG São Paulo 

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