Macaxeira, mandioca, maniva ou aipim, o tubérculo de casca grossa é patrimônio cultural e gastronômico no Nordeste. Quase um caso de amor. Além da famosa farinha (que durante anos foi única companheira do feijão nas mesas mais pobres), a mandioca é protagonista de bolos famosos na região. Frita em tiras, desbanca a batata nos balcões dos bares como tira-gosto. Cozida, forma com a carne-de-sol uma dupla tão popular quanto o arroz com feijão. No Recife, Macaxeira é nome de bairro.
Cerca de 6 mil quilos vão ser devorados pelos fregueses da "Macaxeira de Noca" durante o Carnaval que se aproxima. Eraldo Pereira, um dos sócios, está preocupado com os custos. "Aumentou muito, uns 200%", relata.
O empresário não exagerou. A quebra na safra do semiárido resultou em disparada nos preços. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a tonelada da raiz, que em dezembro de 2011 era comercializada a R$ 187 em Pernambuco, custava R$ 537 no mesmo mês do ano passado, alta de 187%.
A popularidade da mandioca no Nordeste tem muito a ver com sua "riqueza". "É uma planta abençoada. Mesmo quando a safra é ruim, rende muito", diz o lavrador Domingos Cardoso Fontinelli, que por conta da seca perdeu 30% de sua roça no município de Cocal, no interior do Piauí. Ele se refere às generosas porções de alimento que uma pequena quantidade de mandioca pode proporcionar. A esmagadora maioria da produção nordestina se dá em pequenas propriedades familiares.
A resistência ao clima seco é outro fator que explica a afeição local pela mandioca. Nas propriedades mais humildes do semiárido, ela sempre se faz presente, ao lado do milho e do feijão. "Mas tudo tem um limite. A seca atual é muito severa e mesmo as variedades mais adaptadas não estão resistindo", alerta Alberto Vilarinhos, técnico em fruticultura e mandioca da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Ele explica que a raiz precisa de um mínimo de água nos três primeiros meses após o plantio. A variedade nordestina é plantada na época das chuvas e colhida no mesmo período do ano seguinte, após levar o que se chama de "segunda chuva". "Se não houver a segunda, a produtividade cai. Se não tiver nem a primeira, como é o caso atual, ela morre", explica Vilarinhos. O técnico lembra que outras culturas ainda mais adaptadas à estiagem, como o umbu e a palma, também estão sucumbindo.
Responsável pela maior produção do Nordeste e terceira do país, a Bahia registrou queda de 23% no ano passado, segundo a Conab. O volume caiu de 3 milhões de toneladas para 2,3 milhões de toneladas.
A secretaria estadual de Agricultura alerta que a expectativa para 2013 é de recuo para 1,9 milhão de toneladas, caso a seca persista. No Nordeste como um todo, foram produzidas 6,6 milhões de toneladas, 16% a menos do que em 2011. O semiárido - onde a safra caiu pela metade - representa algo em torno de 30% da produção do Nordeste.
O principal drama da estiagem prolongada na cadeia produtiva da mandioca se dá sobre o cenário futuro. Isso porque o plantio é feito com partes da própria raiz, que em tempos de agruras é servida como alimento para o gado faminto. Explica Vilarinhos: "Neste ambiente, mesmo que a chuva caia, não haverá o que plantar. Uma quebra como essa pode se refletir por até dez anos à frente".
Mais de 80% da mandioca produzida no semiárido nordestino tem como destino a fabricação de farinha. Figura ilustre no cardápio local, o produto consumido na região tem um padrão superior ao que se encontra no sul do país. Segundo Vilarinhos, é a relação entre a quantidade de amido e de fibras que define a qualidade e o sabor da farinha. Quanto mais amido, mais nobre é o alimento. Um projeto em desenvolvimento na Embrapa visa a certificação da autêntica farinha "made in Bahia".
A queda na produção local obriga o Nordeste a importar mandioca de outras regiões, principalmente do Paraná e do Mato Grosso do Sul. O custo do frete mantém elevada a inflação do produto, que envolveu até mesmo o ambulante "Zé Macaxeira de Águas Compridas", que vende de porta em porta em bairros de classe média alta do Recife. Seu preço passou de R$ 4 para R$ 5 por quilo, mas os negócios continuam à plena carga, assim como os gritos: "Carminha, olha a papinha na portaria. Chegou a macaxê."
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